segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Um sopro histórico de MPB. (7ª. Parte)

Outro grande marco na carreira de Geraldo Filme, é a musica “Tebas”, na qual conta a historia do negro escravo, que construiu a primeira catedral da Praça da Sé e também o chafariz da Misericórdia, isso em 1700 e poucos, ele canalizou a cidade, puxando água do vale do Anhangabaú com tubos, feitos com papel velho e betume. Curioso com a expressão, do tempo de seus avós, que denominava quem sabia fazer tudo de tebas: fulano é um tebas. Ele fez uma pesquisa na Cúria Metropolitana, no Correio Paulistano e no jornal italiano, a Fanfulha. “Na Cúria não tem acesso aos livros, mas eu me apresentei como universitário. Se eles pensassem que era pra fazer enredo, não iam deixar. Lá levantei que esse Tebas conhecia tudo de alvenaria com 21 anos de idade. Então ele parava todo dia em frente ao convento do Carmo, estava sempre parado ali, e um dia o padre Justino, que era o capelão lá, perguntou: ‘O que você faz ai todo dia? ’. Ele disse: ‘Fico olhando pra saber porque não tem torre’. ‘Porque a gente não sabe fazer’. Ele falou: ‘Eu sei’. O padre acreditou nele e foi lá na fazenda Taponhoem, no Paraíso, naquela região em que hoje está a Brahma, conversou com o sinhô dele. Lá ele viu um monte de obras em alvenaria e quis comprar. O sinhô disse: ‘Não precisa comprar, leva ele’. Então o escravo fez um acordo com o padre: ‘Eu construo a catedral com vocês, mas o primeiro casamento lá tem que ser o meu’. (...) As escravas iam buscar água na fonte naqueles cântaros. Eu tenho ainda esse mapa que xeroquei do jornal, parte da Liberdade e aquele Centro todo canalizado por ele. Tebas, o Escravo é o enredo. Ai os estudantes falaram: ‘Onde você levantou isso?’. Tebas pra eles é só uma cidade da Grécia, mas não sabiam que tinha um aqui. Tanto que em 25 de janeiro fiz um protesto contra aqueles painéis na Praça da Sé, que dá o nome dos autores, dos construtores. A catedral, a primeira catedral que esse negro construiu, o chafariz da Misericórdia estão expostos lá, mas não dá o nome do autor. Mas a gente sabe que era ele."

Tebas, negro escravo
Profissão alvenaria

Construiu a velha Sé
Em troca pela carta de alforria

Trinta mil ducados que lhe deu padre Justino
Tornou teu sonho realidade
Daí surgiu a velha Sé
Que hoje é o marco zero da cidade
Exalto no cantar de minha gente
A sua lenda, seu
passado, seu presente
Praça que nasceu do ideal

E praça escravo é praça do povo

Velho relógio
Encontro dos namorados
Me lembro ainda dos bondinhos de tostão
Engraxate batendo a lata de graxa
Camelô fazendo pregão

O tira teima do sambista do passado
Bexiga, Barra Funda e Lavapés
O jogo da tiririca era formado
O ruim caia e o bom ficava de pé
No meu São Paulo, oi lelê era moda
Vamos na Sé que hoje tem sa
mba de roda
No meu são Paulo, oi lelê era moda
Vamos na Sé que hoje tem samba de roda

Como outros que tiveram fundamental importância na historia do Samba e do Carnaval, ele fala disso com muita saudade, ironia e tristeza pela perda total da essência destes movimentos culturais. “O carnaval de São Paulo? Eu, graças a Deus, vi carnaval em São Paulo, porque hoje em dia é espetáculo. Os próprios sambistas estão preocupados com os carros alegóricos, que eu chamo de ‘porta-veado’. As meninas sacudindo o bumbum, a televisão não pega outra coisa, não pega ninguém sambando no pé, não se preocupa com musica. Os itens que tem ligação com o samba não estão interessando, o que esta interessando é a beleza, aquela coisa toda. Mas eu peguei carnaval quando todo mundo brincava. A gente tomava o bonde, fantasiado, ia na Cidade da Folia, que é um reduto de samba que se criou na década de 40, quando nós perdemos o direito de brincar na rua. Então levava os cordões e as escolas pra lá. (...) Não é como hoje em dia, São Paulo tinha carnaval, todo mundo brincando. Eu tenho esse material que pertence ao Estado, mas eles estavam jogando fora. Eu recolhi com o Sergio Lara e fizemos uma mostra na Casa de Cultura Mazzaropi, do carnaval de 25. Esses carros alegóricos, essas pizzas que põe mulher em cima, nessa época já tinha.”

A família sempre foi importante na formação dos grandes sambistas, a maioria gostava de grandes festas, no seu batizado foram três dias de festa, não tinha como ele não gostar daquilo. “Meu pai viveu uns tempos no Rio, então ele gostava daquele negócio. Ele dizia: ‘Lá no Rio sai 30 cuíca na escola, 40 surdo, tantas malacacheta. E vocês aqui com esses couros de gato?’ Eu e o Zeca esfolava uns bichaninhos para empachar tamborim. Zeca da Casa Verde, meu parceiro de sempre, desde criança que a gente ta junto. Então eram aqueles tamborins quadrados. Não tinha tarraxa, era tachinha e fogo e dá-lhe jornal. De vez em quando procurava: ‘Cadê fulano que não ta tocando?’ Ele estava esquentando o surdo lá atrás da escola.”

“Mulheres ligadas ao samba da velha guarda: a falecida Sinhá, dona Eunice da Lavapés, dona Olímpia do Bixiga, Donata, que foi a primeira-dama do samba, era a mulher que puxava o samba na avenida, do tempo sem microfone, lá da Barra Funda. A Donata lembra tudo que cantava nos cordões, desde muitos anos. Ela era o gogó da avenida, vinha no meio da ala passando o samba pra todo mundo. (...) Agüentava, tranqüilo, aquelas nega veia agüentava. Pra que você pensa que eles mantêm a Ala das Baianas? As bonequinhas só rebolam, as baianas seguram o repuxo. É nega acostumada a cantar em terreiro. (...) A primeira escola de samba foi a Lavapés, da Madrinha Eunice, que está viva até hoje, com 82 anos ainda está comandando a escola dela. Sua benção, Madrinha Eunice, pioneira do samba em São Paulo, axé, minha tia.”

“O Cordão do Vai-Vai! Eu gostava de ver o Cordão do Vai-Vai. Cordão é uma modalidade diferente. Por sinal, só teve em São Paulo e Rio Grande do Sul. É batuque pesado, mas a divisão na boca é marcha. A gente chamava de marcha sambada. O carioca está fazendo hoje, mas a gente já fazia antigamente. É a marcha sambada. (...) Não é bem que eu fiz para varias. A minha bandeira é a bandeira do samba. Na escola em que eu estiver, eu defendo ela mesmo pra valer, ta me entendendo? Lá no Peruche, eu tive a felicidade de apresentar enredos e ganhar o samba, nessa altura o samba já estava na cabeça e ninguém ganhava mesmo. Tradições e Festas de Pirapora é exatamente onde o pessoal saía daqui pra fazer o samba lá, em Pirapora, porque ali estava proibido e era permitido lá nas festas de santo.”

Seu samba-prece Silêncio no Bixiga, homenagem ao amigo Pato N´Agua, morto misteriosamente, até hoje é um hino de todos os sambistas paulistanos:

Silêncio, o sambista está dormindo
Ele foi, mas foi sorrindo
A notícia chegou quando anoiteceu
Escolas, eu peço o silêncio de um minuto
O Bixiga está de luto
O apito de Pato n'água emudeceu

Partiu, não tem placa de bronze

Não fica na história
Sambista de rua morre sem glória
Depois de tanta alegria que ele nos deu
Assim, um fato repete de novo

Sambista de rua, artista do povo
E é mais um que foi sem dizer adeus.

“O samba vai bem, as escolas vêm se desenvolvendo, vêm crescendo. Mas eu estou sentindo que eles estão esquecendo do samba, a origem, a raiz, o pé no chão, aquele samba bonito que o povo canta junto com as escolas. Faz já um certo tempo que eu não ouço o povo cantar com uma escola. Pegar um samba, logo que a escola entrar, cantar as três vezes, sem bateria. Quando ela entra na passarela, o povo tai cantando junto. Então estou sentindo falta disso. Eles não estão muito preocupados com isso. Estão preocupados com o visual, com aquela coisa toda. Mas ele continua crescendo.”

Que gente é essa

De pé no chão

Que tem no canto

Sua forma de expressão?

Canto na travessia

O seu triste lamento

Para amenizar

Tanta dor e sofrimento

Que canto lindo

Na plantação

O rei escravo cantou

Na mineração

Rezou cantando

Ao pai Oxalá

Agô-gegê e iorubá

Eparrei!

Oiá oiá vem nos ajudar

Kaô Kaô Kaô iorubá

Depois surgiu Palmares

Sua confederação

E um canto livre

Vem lá do sertão

Cantou na capoeira

No tronco cantou e gemeu

Ela cantando embalava

Um filho que não era seu

Hoje essa gente sofrida

Vem dos morros e favelas

Mas traz um canto divino

Que ilumina a passarela. Quem é?

É o canto negro, sinhô

É o povo negro, sinhô

É a liberdade, sinhô.

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