domingo, 25 de julho de 2010

Caminho em triste lamento

Sinto o frio que me adormece as mãos,

O peito.

E sinto a água que arrefece as sílabas

Do verso.

Sinto a palavra que me comove

O facão.

Há cortes que eu quisera na vida

E que arremessam longe

O tronco do ipê

Cerrado.

Ontem andei num canto sem norte.

Hoje me aborrece o caminho.

E no passo que dou

Sou mouco em palavra,

Lágrima

Ou água.

Essa água que inunda tanto,

Enquanto estou

Criança

No vento

Da terra que me pôs gente

E que faz minha poesia

Falha e

Sem aplauso.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

quarta-feira, 14 de julho de 2010

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Segredo antigo

As árvores naturais
Que agora me cercam
Sabem que um dia
Enterrei ao pé delas
Uma nota de cinco cruzeiros.

A tarde era diáfana.
Escolhia folhas
Para aquecer do frio,
E os reflexos dos raios de sol
Reverberavam nelas,
Mantendo a integridade das coisas.

Sequer tinha visto uma tarde como aquela.

As árvores naturais me viram menino
Achando que enterrava um segredo
No campo da escola.

Me parecia,
Freirinhas deslizavam
Sem pés
Pelo plano,

Terra de inverno.

Na língua que então carrego,
E que marcou de saudade
Os meus dias brasileiros,
Todo plano se fez chão.

As freiras esculpiram a esperança
Caminhando indiferentes
Na minha infância.

E não perceberam que eu voltei ao mesmo lugar
Onde pus a nota
Para ver se ela ainda estava lá.

Às quinze horas ajeitei o blusão.
Nas mãos sujas, rasguei o dinheiro
Que eu havia redescoberto da terra
Que o recolhia...

As árvores naturais
Sobranceiras
Pelo caminho da minha vida
Sabem.

A minha esperança continua lá,
Ficou até hoje,
Entardecida,
Fotografia que se vela novamente.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Nelson Rodrigues

Grande texto do genial Nelson, pena que o atual técnico da seleção da CBF, age igualmente os entendidos de 1970, negando o verdadeiro valor e beleza do futebol brasileiro, e viramos patriotas sem eiras nem beiras ...

DRAGÕES DE ESPORA E PENACHO

Amigos, foi a mais bela vitória do futebol mundial em todos os tempos. Desta vez, não há desculpa, não há dúvida, não há sofisma. Desde o Paraíso, jamais houve um futebol como o nosso. Vocês se lembram do que os nossos “entendidos” diziam dos craques europeus. Ao passo que nós éramos quase uns pernas-de-pau, quase uns cabeças-de-bagre. Se Napoleão tivesse sofrido as vaias que flagelaram o escrete, não ganharia nem batalhas de soldadinhos de chumbo.

Era mais fácil encontrar uma girafa em nossas redações do que um otimista. O otimista era visto, e revisto, como um débil mental. Quando o escrete saiu daqui, as hienas, os abutres, os chacais uivavam: — “Não passa das quartas-de-final!”. Fazia-se uma campanha do pessimismo. E os “entendidos” recomendavam: “Humildade, humildade!”. Como se o brasileiro fosse um pobre-diabo de pai e mãe. Eu me lembro do dia em que João Saldanha foi chamado para técnico do escrete. Tivemos uma conversa de terreno baldio. E me dizia o João: — “Vamos ganhar de qualquer maneira! O caneco é nosso!”.

Raríssimos acreditavam no Brasil. Um deles era o presidente, que me dizia: — “Vamos ganhar, vamos ganhar” — e que, ainda no sábado, dava o seu palpite para a finalíssima: — “Brasil 4 x 1”. Mas os “entendidos” juravam que o futebol brasileiro estava atrasado trinta anos. E a famosa velocidade européia? Essa velocidade existia entre eles, e para eles. Mas o Brasil ganhou de todo mundo andando, simplesmente andando. Com a nossa morosidade genial nós enterramos a velocidade burra dos nossos adversários.

Sempre escrevi (graças a Deus, não “entendo” de futebol), mas escrevi que a finalíssima de 66 foi o antifutebol e, repito, uma pelada da pior espécie. Mas ai de nós, ai de nós. O “entendido”, só de falar da Inglaterra e da Alemanha, babava na gravata. Queria acabar com o gênio, a magia, a beleza do nosso futebol. Mas, sem querer, com sua inépcia, com sua incompetência, os “entendidos” acabaram prestando um grande serviço, porque tornaram os brios do escrete mais eriçados do que as cerdas bravas do javali.

O curioso é que os não entendidos é que acreditavam na seleção. Por exemplo: — o Walther Moreira Salles. Pôs-se à frente de todo o movimento de apoio financeiro ao escrete. Não faltou quem lhe dissesse: — “Não faça isso. Esse escrete é uma droga”. Coisa curiosa: — em momento nenhum o Walther Moreira Salles deixou de acreditar na nossa seleção. Muitas vezes me disse: — “Eu sei que vamos ganhar”.

Paro de escrever para atender o telefone. É o Vadinho Dolabela, o último boêmio, o último romântico do Brasil. Chora no telefone: — “Nelson, ganhamos, Nelson! O caneco é nosso!”. Que ele seria nosso estava escrito há 6 mil anos. Nunca uma seleção fez, na história do futebol, uma jornada tão perfeita como o Brasil em 70. Ganhamos de todos os pseudocobras. Todas as finalíssimas são duríssimas. Alemanha x Itália, em 38, exigiu prorrogação. Quando o jogo acabou, os craques deitavam-se no chão, muito mais mortos do que vivos. Alemanha x Inglaterra, nova prorrogação, tanto em 66, como em 70. O Brasil não precisou de um minuto a mais.

E nós, ontem, demos um passeio. Quem fez o gol da Itália, o franciscano gol da Itália, não foram os italianos. Foi uma brincadeira de Clodoaldo. Esse notabilíssimo craque, sergipano quatrocentão, resolveu dar uma bola de calcanhar. O inimigo recebeu de presente, recebeu de graça, o passe e o gol. Ao passo que os gols brasileiros foram obras de arte, irretocáveis, eternas. A cabeçada de Pelé, na abertura da contagem, foi algo de inconcebível. Ele subiu, leve, quase alado, e enfiou no canto.

Em suma, cada gol dos nossos era uma preciosidade. Já na véspera as maiores autoridades do futebol declararam, unanimemente, que o Brasil tinha que ganhar o jogo, porque era muito melhor. Esse era o óbvio ululante, que o mundo enxergava, menos os “entendidos” daqui. Antes que eu me esqueça, preciso observar o evidentíssimo: — ganhamos dando, no adversário, um banho de Paulina Bonaparte. Dizia-se que os italianos eram formidáveis. Perderam de 4 x 1 para nós, e devia ser de 4 x 0. Ou melhor: — e nem de 4 x 0, mas de 5 x 0, e explico: — no último momento, Rivelino, driblando todo mundo, invadiu a área e ia entrar com bola e tudo, quando sofreu o mais cínico, o mais deslavado dos pênaltis. Era um gol mais do que certo. Ainda tivemos que enfrentar um árbitro altamente pernicioso..

Amigos, glória eterna aos tricampeões mundiais. Graças a esse escrete, o brasileiro não tem mais vergonha de ser patriota. Somos 90 milhões de brasileiros, de esporas e penacho, como os Dragões de Pedro Américo.

[O Globo, 22/6/1970]