Ao que me escapa
A vida de todos os dias
Foge também o menino
Andando vazio pelas ruas
No frio antigo da minha cidade.
Queria ir à África,
Queria ser a África.
Na manhãzinha úmida da névoa construída
- a noite engenhava sonhos -
Eu ia em busca da missa.
À espera da escola, à espera do sinal estridente.
Meus sapatos pretos acordavam
A calçada ainda dos bêbados do domingo.
Antes da capela, o padre holandês
Triste, triste, triste,
Passava com seu cachimbo à boca,
Equilibrando o grande corpo
Na miúda bicicleta.
E eu me equilibrava no meio-fio!
Queria ir à África,
Queria ser a África.
O tempo depois contou tristezas maiores,
Mais fundas.
Mas colava o material das aulas ao corpo
Acompanhando o sol chegar.
No caminho,
Pardais me davam abrigo,
Pardais carregavam o fim,
Esse fim que nunca acaba,
E na missa eu via o cachimbo
Tragando tudo
Tudo tudo.
Trem no altar.
Então a fumaça
Salvava o menino
Alçava meu corpo
Sobrando nas nuvens
Junto às andorinhas.
Escapava por uma fresta do vitral
E me encontrava com São Francisco,
Laico, sem fé nem rei,
Como São Francisco deveria ser.
E só, nesse momento, eu sorria.
As freirinhas escondiam o rosto da alegria
Mas o padre, por um instante,
Ao me ver ausente,
Acreditava enfim em Deus.
Aquele menino, quando hoje acendo um cigarro,
E sinto a tarde anoitecer comigo,
Senta ao meu lado
E me chama para ver o mar.
E eu não dou a mínima.
Queria ir à África,
Queria ser a África.
segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
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Um comentário:
Senhor Fiori! Salve!
Tive de ser sorrateira e pegar o endereço por conta, já que na espera de alguém, bem provável, jamais leria.
Gostei do que os olhos viram e sempre que puder eles percorrerão a página novamente.
Beijo-beijo,
Rainha.
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