sábado, 30 de janeiro de 2010

Menina quem foi teu mestre?







quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Haiti



Que a fé tá na mulher
a fé tá na Cobra-coral
Ô-ô

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Testamento de Partideiro

Testamento de Partideiro

Composição: Candeia

Ao meu amor deixo meu sentimento, na paz do Senhor
E para os meus filhos deixo um bom exemplo, na paz do Senhor
Deixo como herança, força de vontade, na paz do Senhor
Quem semeia amor, deixa sempre saudade, na paz do Senhor
Aos meus amigos deixo meu pandeiro, na paz do Senhor
Honrei os meus pais e amei meus irmãos, na paz do Senhor
Mas ao fariseu não deixarei dinheiro, na paz do Senhor
Pros falsos amigos deixo o meu perdão, na paz do Senhor

O sambista não precisa ser membro da academia
Ao ser natural em sua poesia o povo lhe faz imortal
O sambista não precisa ser membro da academia
Ao ser natural em sua poesia o povo lhe faz imortal

E se houver tristeza que seja bonita, na paz do Senhor
Pois tristeza feia o poeta não gosta, na paz do Senhor
Um surdo marcando choro de cuíca, na paz do Senhor
Viola pergunta mais não tem resposta, na paz do Senhor
Quem rezar por mim que o faça sambando, na paz do Senhor
Porque um bom samba é forma de oração, na paz do Senhor
Um bom partideiro só chora versando, na paz do Senhor
Tomando com amor batida de limão, na paz do Senhor


domingo, 24 de janeiro de 2010

De como uma certa poesia contemporânea têm seu ensimesmamento tomado pela sociedade presente

Sitio

O morro está pegando fogo.
O ar incômodo, grosso,
faz do menor movimento um esforço,
como andar sob outra atmosfera,
entre panos úmidos, mudos,
num caldo sujo de claras em neve.
Os carros, no viaduto,
engatam sua centopéia:
olhos acesos, suor de diesel,
ruído motor, desespero surdo.
O sol devia estar se pondo, agora
_ mas como confirmar sua trajetória
debaixo desta cúpula de pó,
este céu invertido?
Olhar o mar não traz nenhum consolo
(se ele é um cachorro imenso, trêmulo,
vomitando uma espuma de bile,
e vem acabar de morrer na nossa porta).
Uma penugem antagonista
deitou nas folhas dos crisântemos
e vai escurecendo, dia a dia,
os olhos das margaridas,
o coração das rosas.
De madrugada,
muda na caixa refrigerada,
a carga de agulhas cai queimando
tímpanos, pálpebras:
O menino brincando na varanda.
Dizem que ele não percebeu.
De que outro modo poderia ainda
ter virado o rosto: - Pai!
acho que um bicho me mordeu! assim
que a bala varou sua cabeça?


Claudia Roquette-Pinto. IN: Margem de Manobra, 2006.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Navegação interrompida

(A mensagem acordou um poema triste)

Preso em exata posição
Anterior ao asfalto
O animal separa o que existiu
Do momento preciso a atravessar
A pista, o ato de instinto,
Sua decisão.

É navegar terra não propícia
Vestida de piche e pedregulho.
Falsear o campo seguro
Das ervas.
Mas tem que se transpor
Não sei por qual gosto
Um rio assim de perigo
O solo quente do dia
Que se foi.

O focinho apontando o outro lado.

E o vento na tarde-noite
Cortando a entrada do mato!

Paira um certo quê de embriaguez
Na estrela posta primeira
No plano azul do céu.

Antes de todas.
Vem com a tarde, vem com a tarde.

Um pássaro acusa
No pio sonoro
A travessia
Vazia de planejamento
Movida por ação pontual
Do bicho.

Seus passos não se medem.

Acontece um coletivo
Despontando sem entrave
Velocidade de seta.
A gente que ele carrega
Carrega consigo as mãos
Do cansaço cotidiano
E na terra produtiva
De esforço, prisão e fome.

Ônibus do roçado
É rural da solidão
Entregue ao silêncio
De quem não pensa a vida.
Porque são braços,
Suor e faina
Seus pensamentos.

Vem com a tarde, vem com a tarde.
Quase noite.

Então, no encontro perpendicular
Do coletivo
Com o animal,
O choque pairou no cosmos
Penderam, nas nuvens, o grito, ganido ou guincho,
Pedras deram flores
O curso d’água correu inverso.

O indivíduo agora é horizonte, pasta e sangue.

A noite pintou de escuro a engrenagem assassina.
Só não escondeu seu ronco
Que, aos poucos,
Perdeu-se no tempo de seu canto.

No interior, sentados,
Mulheres e homens
Mergulham a cabeça
No sono,
Mãos dadas ou não,
Princípio da morte de todos os dias
Na terra que um dia
Enfim
Irá colhê-los.

O bicho já não mais navega o chão.
É ilha cercada de vermelho por todos os lados.

(hoje não vi as borboletas
azuis
que estendem o fio da vida
por entre os taquarais
da manhã)

Homenagem ao Canto.






sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

desconfiança

No fundo da minha cisma tem um monte de riso.
Hum.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Clarice Lispector

Rifa-se um coração
Rifa-se um coração quase novo.
Um coração idealista.
Um coração como poucos.
Um coração à moda antiga.
Um coração moleque que insiste
em pregar peças no seu usuário.
Rifa-se um coração que na realidade está um
pouco usado, meio calejado, muito machucado
e que teima em alimentar sonhos e, cultivar ilusões.
Um pouco inconseqüente que nunca desiste
de acreditar nas pessoas.
Um leviano e precipitado coração
que acha que Tim Maia
estava certo quando escreveu...
"...não quero dinheiro, eu quero amor sincero,
é isso que eu espero...".
Um idealista...Um verdadeiro sonhador...
Rifa-se um coração que nunca aprende.
Que não endurece, e mantém sempre viva a
esperança de ser feliz, sendo simples e natural.
Um coração insensato que comanda o racional
sendo louco o suficiente para se apaixonar.
Um furioso suicida que vive procurando
relações e emoções verdadeiras.
Rifa-se um coração que insiste em cometer
sempre os mesmos erros.
Esse coração que erra, briga, se expõe.
Perde o juízo por completo em nome
de causas e paixões.
Sai do sério e, às vezes revê suas posições
arrependido de palavras e gestos.
Este coração tantas vezes incompreendido.
Tantas vezes provocado.
Tantas vezes impulsivo.
Rifa-se este desequilibrado emocional
que abre sorrisos tão largos que quase dá
pra engolir as orelhas, mas que
também arranca lágrimas
e faz murchar o rosto.
Um coração para ser alugado,
ou mesmo utilizado
por quem gosta de emoções fortes.
Um órgão abestado indicado apenas para
quem quer viver intensamente
contra indicado para os que apenas pretendem
passar pela vida matando o tempo,
defendendo-se das emoções.
Rifa-se um coração tão inocente
que se mostra sem armaduras
e deixa louco o seu usuário.
Um coração que quando parar de bater
ouvirá o seu usuário dizer
para São Pedro na hora da prestação de contas:
"O Senhor pode conferir. Eu fiz tudo certo,
só errei quando coloquei sentimento.
Só fiz bobagens e me dei mal
quando ouvi este louco coração de criança
que insiste em não endurecer e,
se recusa a envelhecer"
Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por
outro que tenha um pouco mais de juízo.
Um órgão mais fiel ao seu usuário.
Um amigo do peito que não maltrate
tanto o ser que o abriga.
Um coração que não seja tão inconseqüente.
Rifa-se um coração cego, surdo e mudo,
mas que incomoda um bocado.
Um verdadeiro caçador de aventuras que ainda
não foi adotado, provavelmente, por se recusar
a cultivar ares selvagens ou racionais,
por não querer perder o estilo.
Oferece-se um coração vadio,
sem raça, sem pedigree.
Um simples coração humano.
Um impulsivo membro de comportamento
até meio ultrapassado.
Um modelo cheio de defeitos que,
mesmo estando fora do mercado,
faz questão de não se modernizar,
mas vez por outra,
constrange o corpo que o domina.
Um velho coração que convence
seu usuário a publicar seus segredos
e a ter a petulância de se aventurar como poeta.