quarta-feira, 27 de março de 2013

Breve Historia da MPB (12a. parte)

“Eu era menino
Mamãe disse: vamos embora
Você vai ser batizado
No samba de Pirapora
Mamãe fez uma promessa
Para me vestir de anjo
Me vestiu de azul-celeste
Na cabeça um arranjo
Ouviu-se a voz do festeiro
No meio da multidão
Menino preto não sai
Aqui nessa procissão
Mamãe, mulher decidida
Ao santo pediu perdão
Jogou minha asa fora
Me levou pro barracão
Lá no barraco
Tudo era alegria
Nego batia na zabumba
E o boi gemia
Iniciado o neguinho
Num batuque de terreiro
Samba de Piracicaba
Tietê e campineiro
Os bambas da Paulicéia
Não consigo esquecer
Fredericão na zabumba
Fazia a terra tremer
Cresci na roda de bamba
No meio da alegria
Eunice puxava o ponto
Dona Olímpia respondia
Sinhá caía na roda
Gastando a sua sandália
E a poeira levantava
Com o vento das sete saias
Lá no terreiro
Tudo era alegria
Nego batia na zabumba
E o boi gemia
Lá no terreiro
Tudo era alegria
Nego batia na zabumba
E o boi gemia.”
Esta letra é apenas uma das grandes obras de Geraldo Filme, conhecido como Enciclopédia do Samba Paulistano, sinônimo da auto-afirmação da cultura negra, “Seo” Geraldo, como os sambistas de todas as escolas respeitosamente o tratavam, teve passagem relevante como fundador, diretor ou colaborador, pela maioria das escolas de samba da cidade. A letra de Batuque de Pirapora é uma crônica da perseguição ao samba pela igreja católica em Pirapora do Bom Jesus, com ironia e talento ele criara um samba alegre e combativo, juntamente com Tradições e Festas de Pirapora, fez uma releitura do samba rural paulista, do qual a cidade foi o berço, essas músicas trazem elementos dos jongos, vissungos e batuques que aprendeu com sua avó, que entoava cantos do tempo dos escravos. Sua musicalidade também foi influenciada por seu pai que tocava violino nos choros e por sua mãe com quem aprendeu ritmo e dança.
O “negrinho das marmitas” como também era conhecido, já aos 10 anos de idade, fazia entregas para sua mãe que tinha uma pensão na Rio Branco, em frente ao palácio do governo, isso era 1937, ele e o Zeca da Casa Verde, que era filho de uma grande amiga de sua mãe, sempre andaram juntos, tanto que eles se consideravam parentes, cresceram, se formaram e viveram no samba. “Aí eu dizia: ‘Atravessa a fronteira’. Depois de entregar a marmita, ia onde estava minha gente. Era exatamente lá na Barra Funda, dividindo com os Campos Elíseos. Então ia pra Barra Funda e ficava lá no samba. (...) Lá no largo da Banana, na hora que folgavam um pouquinho, eles armavam um samba e a gente era moleque, ficava olhando os velhos, não deixavam a gente entrar na roda: ‘Sai daqui, moleque, chega pra lá’. A gente ficava apreciando ‘os coroas’ todos cantar e a gente guardou muita coisa e deu continuidade.” Geraldo Filme, Programa Ensaio, 1992.
“Minha avó não era brincadeira. Eu peguei um canto com a minha avó, que era o maior sarro. Dizia que as negas velhas escravas, quando nascia uma criança, entregavam pra elas como se fosse filha. Se a moça desse uma mancada então, elas sofriam demais. Então acontecia o seguinte: lá na senzala, enquanto a nega velha tomava conta da criança (como se fosse o partido alto hoje), os nego velho lá nas casinhas, no hora do samba, metia a bronca. Então eles cantavam um negócio assim:
Oi tiá, tiá, tiá
Oi tiá de Junqueira, tiá
Oi tiá, tiá, tiá
Ou tiá de Junqueira, tiá
Moça bonita
Delírio, tiá
Veja que coisa indecente, tiá
Deita sem estar casada, tiá
Fazendo vergonha pra gente, oi tiá.
Os negos cantavam e elas chegavam: ‘Pará com isso, zombando das meninas’. Então a tradução disso é que a escrava negra tinha que ir pra cama na marra e a moça branca ia por livre e espontânea vontade, e elas se sentiam mães daquelas crianças, elas é que ficavam envergonhadas.”