terça-feira, 27 de outubro de 2009

Chico Science






Livro do Desassossego, post. I

Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho. Pesa-me um como a possibilidade de tudo, o outro como a realidade de nada. Não tenho esperanças nem saudades. Conhecendo o que tem sido a minha vida até hoje — tantas vezes e em tanto o contrário do que eu a desejara —, que posso presumir da minha vida de amanhã senão que será o que não presumo, o que não quero, o que me acontece de fora, até através da minha vontade? Nem tenho nada no meu passado que relembre com o desejo inútil de o repetir. Nunca fui senão um vestígio e um simulacro de mim. O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto.

Breve sombra escura de uma árvore citadina, leve som de água caindo no tanque triste, verde da relva regular — jardim público ao quase crepúsculo —, sois, neste momento, o universo inteiro para mim, porque sois o conteúdo pleno da minha sensação consciente. Não quero mais da vida do que senti-la a perder-se nestas tardes imprevistas, ao som de crianças alheias que brincam nestes jardins engradados pela melancolia das ruas que os cercam, e copados, para além dos ramos altos das árvores, pelo céu velho onde as estrelas recomeçam.

Bernardo Soares.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Sentido


"De longe, seus olhares observam.
De longe, quem olha não vê.
Nem santos,
Nem demônios.
O rufar dos tambores novamente... será que "eles" ouvem?
O olhar fascinante.
A sombra...
...não existe.
O poder que sinto se aproximar.
Os perdidos no vendaval da vida..."

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Antônio da entrada do mato

Conforme o gosto das coisas
Deixo a onda bater na nau.

E nave arremetida
Contra o rochedo
Sabe da calmaria de sua íris
Chamando o sol.

O poeta cata conchas no chão.

Preguiça ter o corpo posto ao vento
Fazer dos sentidos
A mão única do meu pai passado
Pai das águas
Consertando sinos
Da infância
Para a dor
Fugir ao dobre
Triste.

O poeta esquece conchas no chão.

Antônio caboclo
Da entrada do mato
O pito pendendo o mundo.
No seu jeito indígena de olhar
Sempre sempre
Me pareceu negro
De tão sábio...

Apontava Tatetu
No começo da noite.
Tinha luzes no fim de tudo.

E o mato - eu não sabia! - era o oceano.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Passagem





Esta é a crise que eu sabia que viria,

Destruindo o equilíbrio que eu mantinha.

Duvidando e perturbando e invertendo a direção,

Imaginando o que virá depois.

É este o papel que você quis viver?

Eu fui um tolo por pedir tanto.

Sem a guarda e proteção da infância,

Tudo se despedaça ao primeiro toque.

Observando o carretel à medida que se aproxima,

Brutalmente tomando seu tempo,

Pessoas que mudam sem razão alguma,

Está acontecendo o tempo todo.

Posso seguir adiante com essa série de eventos?

Perturbando e purgando minha mente,

Recuo das minhas responsabilidades,

quando tudo tiver sido dito e feito

Eu sei que perderei todas as vezes

Avançando nos caminhos dados por nosso Deus,

A segurança é presidida pelo fogo,

Santuário destes sorrisos febris,

Deixados com uma marca na porta.

Este é o presente que eu quis dar?

Perdoe e esqueça o que eles ensinam,

Ou passe pelos desertos e devastações uma vez mais,

E observe como eles caem pela praia.

Está é a crise que eu sabia que viria,

Destruindo o equilíbrio que eu mantinha.

Virando-se para o próximo conjunto de vidas,

Imaginando o que virá depois.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

França negada

Para Jairo, nego da luta

Eu preciso fazer um poema
que me cale todos os versos.
E nenhuma metáfora dentro
venha desfolhar a noite
correndo risco de estrela

fugidia

escapada.

Ah, cortar de mim todo poema
e não mais ter no mundo
inquieto
a onda deixada de maneira...

E ginga,
Amplo nos terreiros-capoeira,
o lance no ar plástico
da suposta ação estática
a linha dos pés em voo.

Pauta não escrita
a quero nua
para uma nova história

dos seus movimentos

dos seus movimentos

dos seus movimentos!

A ponta da agulha em jogo
aponta para a madrugada.

E lá está o caminho das águas!

Águas de chegar,
caçado,
sequestrado,
torturado,
assassinado.

Eu preciso que me cale todo o verbo.
Porque amo o silêncio da noite
passada ao lado
da senzala.

O jeito de parar o mundo quando não fala.
O ponto final das coisas que começam...

Eu preciso que me cale todo o verbo,
Porque amo esse traço de brasa
nós pés

dor e vi0lência
divisão e violência
corrente e violência

como secar mudo o orgulho de palavra solta?

Três vezes!

Três cores em uma bandeira

em três palavras revolucionárias

continuam singrando o caminho imposto

Das águas,
das lágrimas,
dos seus olhos tão oceano,
meu resgate.

Ah, capoeira, dance no convés para que nos guie na maré bruta
e sem sentido.

As palavras adormecem três revoltas no mar.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

domingo, 11 de outubro de 2009

Monsueto

Para meus males

Eu não sou água
Pra me tratares assim
Só na hora da sede
É que procuras por mim
A fonte secou
Quero dizer que entre nós
Tudo acabou
Teu egoísmo me libertou
Não deves mais me procurar
A fonte do meu amor secou
Mas os teus olhos nunca mais hão de secar
(...)
Eu vou te dar a decisão
Botei na balança
E você não pesou
Botei na peneira
E você não passou
Mora na filosofia
Pra que rimar amor e dor
Se seu corpo ficasse marcado
Por lábios ou mãos carinhosas
Eu saberia, ora vai mulher,
A quantos você pertencia
Não vou me preocupar em ver
Seu caso não é de ver pra crer
Ta na cara
(...)
Se você não me queria
Não devia me procurar
Não devia me iludir
Nem deixar eu me apaixonar
Evitar a dor
É impossível
Evitar esse amor
É muito mais
Você arruinou a minha vida
Me deixa em paz
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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Lua


Quando no Céu surgis brilhante.
Estendendo pelo mundo teu manto elegante.
Deixa-me pensativa e estonteante,
Com tantas lembranças, já bem distantes.
De um passado, onde eras venerada pelos amantes.

Quantas juras de amor ouviste.
Mil beijos e abraços apaixonados assististe.
Com teus raios deslumbrantes.
Deixaste os apaixonados delirantes.

Hoje te vejo com amor e respeito.
Pois desde criança, sinto emoção dentro do peito.
Ao admirar teus encantos, teus traços perfeitos.
Nas noites claras, enfeitiçadas pelos teus efeitos.

Lua, eterna amiga, nas minhas noites solitárias.
Que não são poucas, são várias.
Procuro em ti, afastar tristes pensamentos.
Deixo-me levar por doces momentos.
Cheios de encantos e embevecimentos.

Vejo-te sorrir como antigamente.
Como na minha infância, que estavas sempre presente.
Nas noites alegres, lindas e quentes.
Quando eu brincava muito feliz e contente.
Sob teu clarão, bem evidente.

Lua, eterna amiga dos apaixonados.
Lua, sempre conselheira dos desencantados.
Lua, companheira fiel, dos desesperados.
Que se encontram, dos seus amores separados

Lindamar Cardoso de Melo

Passaros

"PASSAROS"
Desde sempre os conhecemos. Em bandos ou solitários, nos campos, nas praias, nas cidades, os pássaros lá estão. Espiam-nos, chamam-nos, provocam-nos. Às vezes rasam-nos o corpo, sem se deixarem tocar. Cantam para nos acordar, gritam à procura do asilo nocturno ou aparecem de noite a piar tristezas. Louvam a vida e pressentem a morte. Habitam os troncos das árvores ou as moitas rasteiras ou as fragas nas alturas. Mergulham até ao peixe ou debicam as searas. Sabem tudo do vento e das tempestades. Livres, livres. Tão alto subindo, tão alto, são a nossa inveja, a medida da nossa pequenez. Nunca os poetas os ignoram. Ilustram-lhes os versos ou são os próprios versos. Quem pode imaginar um mundo sem os pássaros?

Licínia Quitério

Billie, Deusa, Lady ...



segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Estrada-maré

Para meu bem

Por que saio sempre
Com vontade de ficar?
No gosto, na pele, no corpo.

Que faculdade desse teu país alheio
Me fez esquecer a tristeza
Em roda desde há muito no vento?

Por que saio no que sei
Que permaneço?
E faço do giro de outros sítios

A ponta para o caminho,
Estrada que navego,
De encontrar ao fim

A porta de onde parto?
Ah deixar espaços
Terras minhas conhecidas...

E vem a vela do que escrevo
Singrar o tardio mar
Dos teus olhos.

Ah fazer da rede o tempo
De adormecermos à sombra das árvores
( no espaço não retirado )

A terra devoluta do latifúndio
Que tua boca ocupa.
Para dividir, forçar a divisão

Do ato de amar e deixar partir
O barco que volta e volta
Ao cais onde plantaste

Os peixes.