terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Parque Estrela Dalva

"É onde o povo joga os cachorros mortos para os urubus comerem."–Arredores de Brasília, Luziânia. Frase de uma mãe, sobre o suposto lugar onde encontraria o corpo do filho desaparecido.

A mãe andou, atravessada do campo, por cerca de um tempo grande. Cansada, o lenço na cabeça, as mãos apanhadas de vento e calos. As palavras perdiam-se como da vez que tentara ler o livro da escola. Vinham zunindo. Costumava pensar que tudo agora faltava, a lata d’água, a construção de mais um quarto no sobrado sem reboque, ou as crianças, caçando alguma pipa no fim do mundo. E só parecia o barulho da abelha dentro, dentro, dentro.

No entanto, a voz do seu menino mais velho não saía dos ouvidos. Três dias que ela esperava. Em vão não preenchido. A aflição viera na primeira noite. Sem aviso, ele tinha deixado as coisas desarrumadas, mas sempre fizera desse modo. Depois, no almoço, estava lá. Talvez, sem perceber, ele tivesse entrado numa grande bolha de sabão que lhe levara longe. Não dormira em casa. A roupa deixada no tanque tornara-se uma pasta. Três dias. O filho sumido, tempo sem espaço, os lugares sem mudanças.

Andara muito para chegar ali, saíra em desvario, sem falar coisa, as palavras que sempre surgiram do trabalho num país injusto, calhavam mortas. Seguiria sem desvio em direção contínua, mas, a poucos minutos de ver as aves pesadas e leves do ar, parara para colher pedras. Como se pegasse na mão lágrimas calcificadas. Mãe agachada, arfando os entraves do peito, do homem posto de cachaça, da violência do salário, de uma gravidez entrada no caminho inverso da barriga.

Então caía o céu. As cores num precipício. Perto da lavoura cegada, pássaros que não voavam. Ah, tivesse um peito livre, um peito assim, sem as pedras em sua mão. De mãe. Era pouco agora o caminho para encontrar o filho morto. Mas, nos olhos dela, a vida dele passava, mão da ave abraçando o mar. O menino sendo de sua barriga, sabendo andar, correndo pelas beiras, fazendo o espaço da ruelas a volta da escola, já quase homem, bebendo, tendo a roupa do trabalho. Como descolar da retina seu crescimento?

A retina dói mais que o coração.

A retina dói, dói tanto.

Em voz baixa, rezou o que não sabia. Apagar o dia antes do ontem, sumido o moleque, vieram de chofre seus dezessete anos, nessas últimas horas de boi arrastado, macerando o capim das manhãs. Em busca, faltavam-lhe forças para levantar o corpo, pôr os pés em frente, acontecer no campo o fim. Onde sabia que ele devia estar. Porque saído assim cedo de casa, menino bom, pretinho em volta da vida, não voltara. Diziam, volta, sentindo falta de casa, volta, debandou pros outros lados, mas era trabalhador, tem escola...

Seu bairro cortou-se em procura. Mais desapareceram, uns quatro ou cinco. Outras mulheres choraram. As casas tiveram medo, janelas ganharam mudez, as portas abriam-se só pela gente do interior das pequenas salas, como se não existissem outros cômodos, senão aqueles que recebiam a rua.

E o carnaval, então, servido na televisão? Estourando na tela, para quê?

A retina dói mais que tudo.

Foi aí que sentada, atônita, decidiu andar. Sabia a direção, ensinaram o lugar. Lá onde o povo joga os cachorros...

Não chorava, mas suas mãos carregavam as duas pedras. Mais esse monte, uns passos indecisos e veria no lugar o corpo do filho. Porque nesse país, morrer é o mato que vem do chão. Lento, preciso, inexorável. As pedras cresciam bolas, enchiam suas palmas, estavam gordas como um feto, e os dedos tinham seu pulsar de rocha, coisa viva, coisa morta. Enquanto os olhos começaram a descobrir o campo, viu os bichos voando no arco do ar. Pousando na ponta aguda da vida deixada. As pedras, as pedras pediam-se de encontro aos pássaros.

A retina seca o tempo. O braço em convulsão lançou uma, depois outra. Na violência, o risco desenhado encontrou o grupo sobre o que lá estava. Seu grito materno comeu as entranhas. Cada ave ganhou o voo, pairou num bater de asas brando, depois desceu de novo. Os grasnados, fugidos no vento, brotaram o silêncio. Angulosos, os urubus pastavam um único cachorro sem vida, jogado por alguém do povo no começo do dia.

Meu lema

Composição: João Nogueira e Gisa Nogueira

Vindo do cansaço dos abraços
De amores ido, já perdidos
Eu me encontrei, morena, em meio a solidão
Jurei não dar nem mais um passo
Que fosse me levar ao encontro da paixão
Do mundo muito eu já sei
Porém, muito tenho que aprender
Não, não quero amar sem paz
Eu já sofri demais
Discreto o amor agora tem que ser
Tudo que ficou pra trás
Já não importa mais
O amor é só você
Não vivo de novelas
Já vi muitas delas
Castelos fantasiados
Sonhos tão azuis
A vida me ensinou, morena
Esse é meu lema
Amar demais só faz pesar a dor
A vida me ensinou, morena
Essa é meu lema
Amar demais só faz pesar a dor.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Carnaval, festa de quem ?

“Publico aqui texto lançado em Junho de 1996 no zine Não Racismo, de minha autoria.”


O Carnaval, infelizmente, deixou a muito tempo de ser uma festa popular, pois o que muito se vê no Carnaval é a simples e pura exploração do sexo, como sua maior virtude. Existem até canais de TV, tipo Manchete, de que ninguém ouve falar durante o ano inteiro, mas que durante o carnaval, por apresentar nas noites “famosos” bailes, voltam a ser lembrados e assistidos pelo publico.

Porém o ponto mais importante a ser abordado é o da exploração dos negros e pobres, nesta festa que muitos ainda consideram o “maior espetáculo da Terra”. Sendo eles os principais responsáveis pela realização do carnaval de rua, por contribuírem com sua criatividade, ritmos e trabalho. Então eu pergunto: porque a maioria dos destaques das escolas de sambas - madrinha de bateria, destaques dos carros e “diretores das escolas” -, são pessoas brancas e no padrão de beleza globais (racista) ?

Certamente, porque a TV (GLOBO), não estaria interessada em transmitir o carnaval, se ele fosse uma festa realmente popular, e não mais uma maneira de aumentar o IBOPE.

“Os crioulos, é verdade, continuam se divertindo na bateria, na ala das baianas ou no trabalho escravo de empurrar carro alegórico.” Esta frase resume bem o que acontece no carnaval. As pessoas que realmente trabalham pelo carnaval (costureiras, que trabalham o ano inteiro confeccionando as fantasias, outras pessoas que trabalham para construir os carros alegóricos e todas a alegorias para o desfile), na hora mais importante, são jogadas para o segundo plano, em detrimento das pessoas que a Globo quer promover e de outras que tem dinheiro suficiente para realmente se divertir no carnaval.

O carnaval é também uma boa maneira de se vender muita cerveja, a Antártica, Brahma e Kaiser que o digam. E como sempre quem colabora para que isso aconteça é o pobre, que, muitas vezes, gasta o que não tem, somente para entrar na “folia”.

O carnaval é uma ótima maneira de alienar, ainda mais, o povo brasileiro, porque muitas pessoas passam o ano inteiro batalhando (pela própria sobrevivência), suportando as sacanagens do governo, trabalhando para construir um carnaval melhor que o anterior, para que possam se divertir, mas mesmo assim não vêem que continuam sendo exploradas e enganadas, também neste período. O que se vê então é o pobre alienado que se fode o ano inteiro e no Carnaval é tudo Globeleza.

O Carnaval deste ano, no Rio de Janeiro, ajudou a mostrar até onde vai a inconseqüência, por causa do dinheiro que é ganho pela elites com essa “festa”. O prefeito do R.J., havia sido avisado pelas autoridades competentes que entre Dezembro/95 e Fevereiro deste ano, haveria chuvas imensas na cidade, pois foi descoberto um dilúvio em gestação. Porém como o anuncio deste fato, poderia prejudicar muito a realização do Carnaval e os lucros obtidos com ele, as autoridades acharam mais interessante, engavetar o aviso e fazerem vista grossa.

Então, ocorreram as maiores chuvas que a cidade já presenciou , desde que começaram a ser medidas, a mais de setenta anos. E o que se viu, mais uma vez, foi a morte de vários inocentes, que poderiam ser salvos com um bom trabalho de prevenção. Porém além disto não ter acontecido, o que ocorreu foi a total falta de consideração das autoridades, que não se apresentaram no momento preciso e deixaram pessoas, que poderiam ser resgatadas, morrerem soterradas por falta de socorro. Mais de 6500 pessoas desabrigadas e 70 mortas foi o saldo final.

E apesar dessa tragédia, o Carnaval foi realizado, como se nada tivesse ocorrido, com a desculpa que não se pode misturar tragédia com alegria - palavras do presidente da liga das escolas de samba do Rio de Janeiro - e onde fica a tão falada humanidade do povo brasileiro, que sempre que pode tenta ajudar o próximo. Como alguém pode se divertir no Carnaval, com vários conhecidos e até parentes desabrigados e ferrados, com as conseqüências de uma tragédia desse tamanho. Talvez, porque quem realmente dita a vontade do povo brasileiro são as autoridades incompetentes e a mídia inconseqüente, verdadeiros interessados na realização do carnaval como ele é hoje em dia.


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Perdoando Deus

Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente.

Clarice Lispector

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010