segunda-feira, 20 de julho de 2009

Vai Vendo

Dez e meia e de ressaca, sigo, pegar o trem.

Mochila, chinelo amarelo, livro de Edward Said, a roupa do corpo e mais um casaco.

Da cidade Universitária desce na Luz, vai até Guaianazes, segue até a estação Estudantes e pega um busão na rodoviária de Mogi destino Jacareí. Entendeu Fê? Desce na Dutra, terceira passarela depois do Galeto de Ouro. Espero você lá.
Tá feito Chico, valeu companheiro.

Quando eu cheguei na Escola Nacional Florestan Fernandes, a Escola do MST, em Guararema, fazia um frio boreal. Meu chinelo amarelo me traiu.
Dedos enrugados, dentes batendo.

- êta guria, tá frio né?
- sorriso de quem sofre
- venha cá, seja bem vinda à nossa Escola, toma um chimarrão que te esquenta.
- alívio.

Fui chegando, descendo a ladeira que leva ao vale onde estão espalhados diversos prédios com salas de aula, refeitório, alojamentos, espaços de convivência, salas de leitura, agro-floresta, ciranda (onde ficam as crianças), quiosques, livraria, auditório, vixi, e mais uma par de coisa.

Lugar bonito. Pé de banana, de laranja, fotos de Che.

Quando cheguei estava começando a reunião de dirigentes das coordenadorias regionais do MST. Numa tacada só fui apresentanda a um alagoano, uma piauense, ao Duda, que é uma das lideranças do Movimento no Pontal e quase morreu três vezes, a um gaúcho e a uma pernambucana, todos na mesma roda de conversa, falando sobre a festa que haveria mais tarde para lembrar a revolução da Nicarágua.
- você poderia ler um dos poemas, assim você se apresenta pra todo mundo
Eu li, mas não foi poema não, foi um trecho de Fanon.

Todos os militantes vão à Escola duas ou três vezes por ano, participam de reuniões, muitas reuniões, onde expõe e propõe.
Além disso, há cursos de formação política, que duram quatro meses e são dirigidos às pessoas que estão envolvidas com a Via Campesina e parceiros do MST. Vêm gente de todos os países da América Latina, da África e até da Coréia.

Oxalá, meu pai, e eles conversam.

Há pessoas que moram lá dentro, como Paulo, sua esposa Néia e seu filhinho lindo de seis anos chamado Ernesto Che, que me receberam com quatro tipos de cachaça de alambique e licor de açaí... enquanto Che jogava bola lá fora. Vinte anos de Movimento, eles se conheceram num assentamento.

As tarefas são todas divididas, os grupos de estudantes de geografia que fazem curso lá são responsáveis pela lavanderia, às vezes pela cozinha, ou pela guarda. A limpeza é feita por todo mundo, e todos capinam o mato e colhem as frutas que são servidas no restaurante.

Lugar bonito. Trabalho coletivo, música haitiana saindo de uma janela e se espalhando pelos aléns, professor doutor tomando café sentado com um aluno e um trabalhador da Escola, o Jão, que cuida das tretas elétricas.

Sem discursos patéticos. Sem pseudo-revolucionários profissionais. Gente tranquila, que ri, que canta, que não se deixa enganar fácil.

Ontem à noite teve samba. Não era pra ter não. Mas um moço do Espírito Santo disse que eu estava parecendo a Clara Nunes, acho que por causa do vestido branco que a Jaque me emprestou e o cabelo ouriçado. E Carolina, que é um preto de quase dois metros e uns cento e dez quilos, fez questão de gritar que se não fossem agora pegar tambor ele ia se embrabar.

Pronto. Gente do Brasil inteiro, mais pessoas de Cuba, da Bolívia, do Equador, do Paraguai, da Argentina, do Chile, da Coréia, de Moçambique, na mesma roda, batendo palma, batendo pé, batendo atabaque, estouro de boiada no peito.

Antes desse churrasco fomos beber cerveja num bar fora da escola. Ave Maria.
Imaginem isso: mesa de pau, cerveja 2,50, carro de boi passando vez em quando, criança soltando pipa, do lado montanhas, montanhas, Luiz Gonzaga tocando e os veinho tudo bebo me chamando pra dançar.

Eu não sei não, mas parece que esse Brasil tem jeito.

Conversei com muitas pessoas, muitos jovens, muitas mulheres, muitos homens de história.

- Não, pra mim, é inaceitável. Eu conheço esse cara, a gente comia pizza de dois dias passados com café, ia cedo pras fábricas pra conversar com os trabalhadores antes deles entrarem no serviço, eu conheço ele, e até hoje me dói, porque ele traiu a gente, ele traiu o povo, por isso que o MST não vai nunca se tornar partidário, porque nossa estrada era até pouco tempo junto a do PT, mas o PT cruzou a linha, passou pro outro lado, e a gente vai ficar desse. Do lado do povo.

Foi mais ou menos com essas palavras que o Zé me fez chorar. Chorar sei lá porque. De raiva do Lula, de amor por saber que tem gente que se manterá íntegro.

Mas meu choro valeu um abraço apertado de um homem de uns cinquenta anos que fundou o PT junto com Lula. E mais um gole de cachaça.

Voltei de carona com Carlos (quinze anos de MST) que ia pro Brasil de Fato, e o japa muleque firmeza.

O nego ficou lá estudando.

A vida, pra quem luta, é mais bonita.

2 comentários:

Luiz Claudio disse...

Ótimo relato do cotidiano dessas pessoas que seguem lutando, por mais que estejam abandonadas pelo sistema e por quem já estava lado a lado com elas. E infelizmente grande parte do povo que também sofre com essas injustiças, pensa, por influencia da grande mídia, que só tem bandido nestes movimentos ... Parabéns!

Lia Maria disse...

CA-RA-CA Fê...
que Alice que nada! TEM MUITA COISA ACONTECENDO NÉ?!Valeu pelo rasgão forte e firme de Luta e Vida que você apresentou, e tá acontecendo.
"Sem pseudo-revolucionários profissionais. Gente tranquila, que ri, que canta, que não se deixa enganar fácil."
Te acompanhar em seus chinelos amarelos me valeram mais fé despejada também, pois esse é o sentimento. Quem é Carolina que tem força pra fechar céu assim? Cancelar? rs!