quarta-feira, 22 de julho de 2009

Reforma Agrária ou Social ?

“Publico aqui este texto lançado em Agosto de 1997 no zine Não Racismo de minha autoria.”


A reforma agrária é um processo que já deveria ter sido realizado em nosso país há várias décadas, mas, a cada ano que se passa, vão se tornando piores as conseqüências de sua não realização. No Brasil, existe uma quantidade inestimável de terras abandonadas; os proprietários destas terras nunca as utilizaram, nem pensam em utilizá-las, porém não se desfazem das mesmas, nem as cedem para alguma utilização racional e produtiva, preferem possuí-las como Status Social, porque, afinal de contas, não é “qualquer um” que pode possuir milhares de hectares de terras. [“Terra sem gente para gente sem terra é o significado da palavra sem-terra em português. Desde os tempos coloniais, o interior do Brasil tem sido um mosaico de privilégios onde um punhado de barões governa sobre propriedades do tamanho do país.” (The Economist - 13/04/96 - Revista Britânica, três dias antes do massacre de Eldorado dos Carajás/PA)].

Para se ter uma idéia melhor da falta de distribuição de terras em nosso país, é só observar os dados fornecidos pelo INCRA, pelos quais existem 3.114.898 imóveis que declaram ter 331 milhões de hectares no total. Deste total 75% dos imóveis, com no máximo 50 hectares, concentram apenas 11% do total de terras. Os imóveis entre 50 até 1000 hectares somam 22% do total e concentram 39% do total de terras. Completando os totais, descobre-se que apenas 3% dos imóveis, todos acima de 1000 hectares, concentram 50% das terras de nosso país. E para finalizar o absurdo maior, apenas 75 propriedades, acima de 100 mil hectares, aproximadamente 0,002% do total de imóveis, são donos de 7,3% de terras, 24 milhões de hectares. [De acordo com a Receita Federal, 99.2% dos grandes proprietários rurais sonegam o ITR (Imposto Territorial Rural). Em 1.994, o ITR contribuiu apenas com 0,05% (30 milhões de reais) sobre o total de 65 bilhões que o Fisco arrecadou. E em 95 o ITR contribuiu com 113 milhões, 0,14% dos 80 bilhões arrecadados pelo governo.” (O Globo - 15/04/96)]. Então, além de concentrarem terras improdutivas em seu domínio, os grandes proprietários ainda prejudicam o país não pagando seus impostos, o que os pequenos são obrigados a fazer, porque como não tem poder ($) podem ir para a cadeia.

Voltando para a reforma, após a tão falsa “libertação dos escravos” (“O branco escravizou o corpo do negro, mas a sua alma nunca foi escrava dos brancos.” - Baseado nas Ruas, grupo de Rap de Brasília), a obrigação do governo vigente era ter realizado, no mínimo, uma distribuição de terras para os escravos libertos, não jogá-los na sociedade em condições, para muitos, até piores do que nas quais se encontravam. Com o passar do tempo, essa situação evoluiu para o que é hoje, a maioria da população negra se encontra em favelas ou nos bairros mais pobres das cidades em geral. A realização da reforma agrária compensaria, mas não totalmente, porque isto é algo impossível, pelas milhares de vidas que se perderam por causa desta injustiça histórica.

A reforma colocaria todos os sem-terra em seu devido lugar: a terra, que é deles por direito, porque eles desejam e merecem ter condições para produzir alimentos. E não ficar ao deus dará, em meio uma luta desigual, tendo que enfrentar fazendeiros hipócritas e exploradores; policiais despreparados, mal orientados e muitas vezes mal intencionados (movidos pelo interesse no dinheiro, oferecidos pelos fazendeiros); políticos sujos com sua costumeira má fé, sempre querendo tirar proveito da situação. E também acabariam esses massacres nojentos, idiotas e abomináveis que nos enfiam goela abaixo, sem que as “autoridades competentes” tomem as devidas providências.

[“Vi uma criança de 10 anos receber tiros da policia. Depois de baleada, foi chutada por um policial até morrer.” (Eurival Martins Carvalho - sobrevivente do massacre de Eldorado de Carajás - Correio Brasiliense 19/04/96) Onde está essa criança?]

[“Missão cumprida, pessoal. E o melhor é que aqui ninguém viu nada.” (Declaração do coronel Pantoja diante da tropa reunida no quartel após ter assassinado 19 trabalhadores - O Globo 25/04/96)]

Após a solução dos sem-terra, poderiam ser deslocadas para o campo, pessoas que moram em favelas, e que não tem nenhuma perspectiva de melhoria de vida, educação, empregos e até mesmo de vida em si. Estes deslocamentos, certamente fariam com que muitos problemas das grandes cidades diminuíssem e ficassem mais simples de serem resolvidos. Porque grande parte das pessoas que se envolvem com crimes, drogas, tráfico, o fazem por não terem outra alternativa, são jogadas para isto como se fosse uma lógica baseada no desejo individual e não no contexto social. Estas pessoas poderiam ter o apoio dos antigos sem-terra, para poderem ter sucesso nesta nova empreitada em suas vidas.

Todas as pessoas (sem-terra e outras) que fossem para o campo, deveriam ter o apoio irrestrito do Estado, para poderem construir uma moradia em sua propriedade e começar a produzir. Assim eles garantem no inicio, pelo menos, o próprio sustento e com o passar do tempo, pagarão todo o investimento feito. Este pagamento poderia ser feito através dos próprios produtos produzidos por eles. Com isso o governo poderia ter um custo menor para financiar vários programas sociais e para abastecer as escolas. E quem sabe não houvesse tanta fome e falta de condições humanas em nosso imenso (em diversos aspectos) país.

Por todos estes fatores, o Movimento Sem Terra é hoje o mais importante movimento social, porque eles simplesmente reivindicam justiça social e se o governo não apressa a reforma agrária é por falta de vontade política ou por apoio incondicional a essa estrutura baseada no mercado e no capital. Ou por acaso um estado democrático aberto e popular preferiria que os sem-terra viessem para as grandes cidades, morar nas favelas, pedir esmolas, disputar com cães e gatos os restos das feiras? Ainda mais, levando em consideração, que temos exemplos de Assentamentos bem feitos, que tiveram ótimos resultados.

[Hoje para a professora Leonildes S. de Medeiros, do curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da UFRRJ, “O Movimento Sem Terra é o único capaz de contestar, de forma organizada, a atual política governamental. Além disso, desnuda, com chocante crueza, a face dramática, incômoda, miserável, de uma sociedade dilacerada pelas contradições sociais” (Revista Crea/RJ - No. 03)]

[“Mesmo em época de baixa produção, as nossas famílias não se preocupam com desemprego e com a fome. Temos estabilidade e fartura.” (Ulisses Gomes - Assentamento Sumaré/SP - Jornal Debate -Jun/96)]

MST - Movimento Sem Terra - Secretaria Nacional

Alameda Barão de Limeira, 1232 – 01202-002 – São Paulo /SP

Todos “[ ]” fonte: Agenda MST


A seguir, não se pode deixar de lembrar a todos a letra de João Cabral de Mello Neto e música de Chico Buarque, escrita em 1.965, que já mostrava o pensamento ou desejo dos latifundiários há mais de 30 anos, e que continua sendo bem atual.


FUNERAL DE UM LAVRADOR

Esta cova em que estás

com palmos medida

é a conta menor

que tiraste em vida

É de bom tamanho

nem largo nem fundo

é a parte que te cabe

deste latifúndio

Não é cova grande

é cova medida

é a terra que querias

ver dividida

É uma cova grande

pra teu pouco defunto

mas estarás mais ancho

que estavas no mundo

É uma cova grande

pra teu defunto parco

porém mais que no mundo

te sentirás largo

É um cova grande

pra tua carne pouca

mas à terra dada

não se abre a boca

É a conta menor

que tiraste em vida

é a parte que te cabe

deste latifúndio

É a terra que querias

ver dividida

Mas estarás mais ancho

que estavas no mundo

mas à terra dada

não se abre a boca

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