quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Quilombo dos Palmares

“Publico aqui texto lançado em Fevereiro de 1996 no zine Não Racismo, de minha autoria.”

No passado ano de 1995 foi comemorado, no dia 20 de Novembro, os 300 anos da morte de ZUMBI DOS PALMARES, data na qual a partir da década de 80 vem sendo comemorado o “Dia da Consciência Negra”, ofuscando o 13 de Maio da Libertação dos Escravos, assinado pela princesa Isabel, o que realmente não passou de pura sacanagem. Em primeiro lugar nem deveria haver escravos, em segundo a liberdade dada a eles nada mais era que pura obrigação e em hipótese alguma poderia ser considerado um ato de humanidade, ainda mais se levando em conta que os escravos libertos foram largados a margem da sociedade, ficando em situações piores às quais se encontravam antes. Os resultados desta exclusão podem ser observados atualmente em nosso país, onde a maioria da população pobre e miserável é constituída de negros e mulatos.

O Quilombo dos Palmares, embora os livros de história não digam, foi o primeiro país livre das Américas, pois ali foi estabelecida uma sociedade onde todos os homens eram livres, como alias deve ser constituída uma sociedade de seres civilizados. Palmares começou a surgir em 1597 e durou até 1694, seu território se estendia por 150 quilômetros de comprimento e 50 de largura, nos Estados de Alagoas e Pernambuco. Sua população variou muito em 100 anos, relatos iniciam em 6.000 habitantes chegando até 30.000. No auge, Palmares teve nove cidades ou mocambos, em moldes africanos, a confederação constituía um Estado. Cada mocambo tinha seu chefe, juntos, eles elegiam o rei do Quilombo. Em caso de ataques ou expedições guerreiras, as forças dos mocambos se uniam. Sua sociedade era multirracial, com a presença de negros, índios e brancos pobres. Eles fabricavam armas e ferramentas com a metalurgia trazida da África, plantavam milho, fumo, batata e mandioca. Também faziam comércio com os seus vizinhos, trocando a produção por tecidos, sal, ferramentas, armas e munições. Enfim os escravos trazidos da África eram tão bem ou até mais organizados que os seus senhores portugueses e não um bando de macacos como se insinua nas escolas com sua educação racista.

Mais de 4 milhões de escravos chegaram ao Brasil entre 1531 e 1855, eles eram trazidos em navios que vinham superlotados, chamados de “TUMBEIROS” porque boa parte da “carga” morria na viagem. Os escravos eram utilizados para trabalhar nas plantações e como empregados domésticos. A vida do escravo doméstico poderia ser menos terrível dependendo de seu senhor. Já os escravos empregados na colheita de cana trabalhavam até morrer, sua media de “vida útil” variava entre cinco e no máximo dez anos. Seguem as conseqüências do trabalho e dos castigos no corpo dos escravos relatados pelo antropólogo Gilberto Freyre:

- Por excesso de trabalho: “Deformações das pernas e da cabeça, algumas das quais devem ser atribuídas ao hábito das mães escravas trazerem os molequinhos de mama escanchados às costas durante horas de trabalho. Vários negrinhos, meninos de 10, 12 anos, já aparecem de croa na cabeça (...), feita à força pelo peso de carretos brutos: tabuleiro, tijolo, areia (...).”

- Por castigos: “Numerosos os que apresentam, nas coxas ou nas costas, letras, sinais ou carimbo de propriedade, como hoje o gado; (...) uns manquejando, os quartos arreados em conseqüência de surras tremendas; outros com cicatriz de relho pelas costas ou nas nádegas; ou então cicatriz de anginho, de tronco, de corrente no pescoço, de ferro nos pés, de lubambo no tornozelo.” Obviamente eram os escravos da colheita os que mais fugiam, por isso qualquer sinal de rebeldia era punido. Depois das chicotadas, os escravos recebiam um coquetel de sal, limão e urina nas feridas.

Em resumo a escravidão acabava com toda a condição humana dos escravos. Os negros perdiam a liberdade, a língua natal, os costumes e até a identidade, misturados com vários povos africanos. Os escravos perderam tudo, até a possibilidade de se reconhecerem. Nos quilombos podiam viver por conta própria e recuperar um pouco sua identidade, praticando um pouco mais os seus costumes.

Importante ressaltar que os sacerdotes cristãos da época opinavam que o principal motivo da aquisição dos negros era o de trazê-los ao conhecimento de Deus e à salvação, então seus donos deviam levá-los a igreja e instruí-los na religião cristã. Infelizmente não era bem esse o objetivo real da aquisição dos negros e a Igreja Católica nunca fez nada para tentar impedir este verdadeiro massacre em massa que foi executado durante Quatrocentos Anos e até se utilizou da escravidão em proveito próprio.

Zumbi quando foi capturado em Palmares, em 1655, era recém-nascido, foi entregue ao padre Antônio Melo, que o batizou como Francisco e o educou. Aos 10 anos de idade já sabia todo o latim e bom português. O padre em cartas comentou sua inteligência e teria sido até coroinha. Em 1670, com 15 anos, Francisco fugiu para Palmares, por não aceitar a escravidão. O padre relata em cartas que, anos depois, o rei Zumbi veio visitar-lhe por três vezes.

Palmares resistiu a mais de trinta expedições, no decorrer de noventa anos. Sempre usando da tática de guerrilha, abandonar o local destruindo tudo que houvesse por ali e lançar emboscadas, depois desapareciam na selva. Até que em 1678, as autoridades resolveram propor conciliação. O rei Ganga-Zumba foi a Recife firmar pacto de paz com o governador de Pernambuco. O pacto previa a deposição de armas dos quilombolas em troca da concessão de terras e da liberdade. A alforria só seria concedida aos negros nascidos no quilombo. Os outros retornariam ao cativeiro. O pacto dividiu Palmares, Zumbi tornou-se o líder da resistência ao acordo, por ele excluir os não nascidos em Palmares. Ganga-Zumba, seguido por seus homens, entre eles importantes chefes militares, mudaram-se para Cucaú, onde a iniciativa de convivência com os moradores da vilas próximas não deu certo. Em 1680 um partidário de Zumbi envenenou Ganga-Zumba. A partir de 1678, Zumbi tornou-se o líder de Palmares e impôs um forte esquema militar a vida do quilombo.

Em 1.687 o governador de Pernambuco fez o primeiro contato com Domingos Jorge Velho, bandeirante paulista que se comprometeu a destruir Palmares. Os bandeirantes são descritos nos livros escolares como heróis que ajudaram a expandir o território nacional, porem sua principal atividade era matar, combater e escravizar índios, usar índias para seu prazer e também aproveitavam para assaltar fazendas e roubar gado. Sua imagem é a de senhores patriarcais, com botas altas, casaco e chapéu; na verdade eles eram mestiços pobres e maltrapilhos, que falavam mais tupi do que português. O bispo de Pernambuco o descreveu assim “Esse homem é um dos maiores selvagens com quem tenho topado. Quando se avistou comigo trouxe consigo intérprete, pois nem falar sabe. Não se diferencia do mais bárbaro tapuia. Lhe assistem sete índias concubinas e sua vida, até o presente, foi andar metido pelos matos à caça de índios e índias”.

Jorge Velho que se encontrava em Piauí veio até São Paulo para montar sua tropa e voltou para o Nordeste numa caminhada espantosa de 6.000 quilômetros, na volta que durou um ano, 196 homens morreram e 200 desertaram. Quando chegou tinha sob seu comando 1.000 homens de arco, 200 de espingarda e 84 brancos que os comandavam. Porem recebeu a ordem de combater os janduis que se rebelaram na Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceara, e estavam dando muitos problemas aos sertanistas. Então lá foi Jorge Velho e causou todo estrago que pode “penetrando lá com a sua gente o interior da campanha queimou as principais aldeias e degolou toda a nação que nelas estava”, elogiou, o governador geral do Brasil. O arcebispo da Bahia também felicitou-o mais tarde por “haver Vossa Mercê degolado 260 tapuias”. Como se o fato de matar os índios que tiveram suas terras invadidas e por isso se rebelaram fosse algo grandioso e não odioso como era na realidade.

Após esta batalha Jorge Velho comandava 600 índios e 45 brancos aos quais se somaram tropas locais num total de 200 homens, estando acampados próximos a Macaco, alguns soldados que deixaram o acampamento para caçar foram atacados pelos Palmarinos. As colunas pernambucanas debandaram, esta primeira derrota ocorreu em 1.692. Com novos reforços - 100 homens comandados pelo paulista Manuel Navarro - Jorge Velho deu duas investidas contra os Palmarinos que conseguiram repelir os atacantes, batido pelos negros ele fez uma retirada estratégica. Voltou para o litoral e planejou sua vingança.

No confronto final se reuniram entre 3000 e 9000 homens, conforme relatos diversos, incluindo a tropa dos paulistas e as forças locais. Chegando a Macaco, que ficava no alto de um morro de 550 metros de altura, defendido por mato fechado, que tinha na retaguarda um precipício que oferecia proteção natural. Á frente, levantavam-se três estacadas semicirculares de pau e pedra, antecedidas de fossos camuflados com vegetação onde toras pontiagudas podiam empalar um homem. A solução para os ofensores foi fazer uma cerca de pau a pique para se proteger. No primeiro ataque, dia 23 de janeiro de 1.694, em três frentes, os atacantes foram rechaçados tanto a “armas de fogo e flechas disparadas dos baluartes, como a água fervendo e brasas acesas lançadas pela estacada”. No dia 29, outra investida teve o mesmo desfecho. No intervalo entre os dois ataques, Jorge Velho pediu canhões ao governador, chegaram seis, número grandioso em tempos coloniais.

A solução para se aproximar da paliçada foi a construção de uma cerca obliqua, que se ergueu durante a noite. Ao raiar o dia 5 de fevereiro, Zumbi ao descobrir a contra cerca dos atacantes teria dito “Amanhã seremos entrados e mortos, e nossas mulheres e filhos cativos”. Na madrugada da noite seguinte aproveitando uma brecha na contra cerca, próxima a um penhasco e de cerca de 15 metros, lançaram um contra-ataque, provavelmente apenas tentando uma fuga desesperada. Eram 2 horas da madrugada quando ele investiu, o banho de sangue começou naquele instante. Os atacantes reagiram à bala. “Se lhes deu uma carga de espingardaria, aos que estavam já da parte de fora da cerca, donde se mataram muitos e foram tantos feridos, que o sangue que iam derramando serviu de guia às nossas tropas que os seguiram”, contou exultante o governador. Muitos, cerca de duzentos, encurralados, caíram no despenhadeiro. O massacre continuou no dia seguinte, restaram do combate 510 negros feitos prisioneiros. Somente mulheres e crianças foram poupados, muitas mulheres mataram seus filhos para livrá-los do cativeiro e se recusaram a comer, morrendo de fome. Depois de 22 dias de resistência, Macaco havia tombado. Ao receber a notícia, no Recife, Melo e Castro mandou rezar uma missa de ação de graças, jogou dinheiro da janela do palácio para o povo e autorizou que se acendessem luminárias durante seis dias, em Olinda e Recife, em sinal de regozijo. Como se dizimar pessoas inocentes fosse um ato para ser celebrado. Nos meses seguintes, as outras povoações, menos defendidas que Macaco foram destruídas, uma a uma. Palmares sumiu do mapa.

Em dezembro de 1.694 surgiu a noticia que Zumbi estava vivo. Em setembro de 1.695, um dos bandos de Zumbi é emboscado e Antônio Soares, homem de confiança de Zumbi, aprisionado. Em novembro ele cai nas mãos do capitão paulista André Furtado de Mendonça, após muita tortura delata o paradeiro de Zumbi. Antônio Soares conduz um grupo de 15 bandeirantes paulistas até a Serra Dois Irmãos. Zumbi estava acompanhado de seis homens no combate derradeiro. Zumbi não caiu sem luta. Quando se viu emboscado, “pelejou valorosa ou desesperadamente, matando um homem, ferindo alguns e não querendo render-se nem aos companheiros, foi preciso matá-los”, contou o governador. Era 20 de novembro de 1695. Despachado para Porto Calvo, o corpo de Zumbi, estava cruelmente mutilado, exibindo “quinze ferimentos de bala e muitos de lança, vendo-se ainda que membro da virilidade do dito negro se havia cortado e enfiando na boca, também lhe faltando um olho e se lhe cortara a mão direita”. A sua cabeça fora cortada, tratada em sal fino e enviada a Recife para ser exposta no lugar mais publico, como seria feito séculos afora, de Tiradentes a Lampião.


Um comentário:

Unknown disse...

Luiz .... eu já não me surpreendo com o teu conhecimento cara ... isso é cultura pura e muito boa por sinal ... meus parabéns ... vc arrebenta cara !!!!