quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Breve Historia da MPB (10a. parte)

“O Orlando Silva fez sucesso demais. Era demais, o homem era demais, nunca vi. Orlando Silva foi demais, mais do que Roberto [Carlos] e muito mais pesado. Porque não era a meninada que ia. Ia homem atrás do Orlando Silva, moça, mulher, gente já de idade, a molecada. Era um cartaz espetacular. Ele era demais, meu filho. O Orlando enchia o largo do Colombo, no Brás, que é uma enormidade, ficava assim para ver o Orlando Silva cantar, mudava o trafego. O Orlando foi o máximo em São Paulo. (...) Chico Alves também fazia muito sucesso em São Paulo. Não era muito amigo, não, mas andava junto com ele. Quando ele ia para São Paulo, a gente jantava muito junto. Diziam que ele era pão-duro. Não era pão-duro nada, coitado do Chicão. Para mim era meu amigo. A gente ia jantar, ele não gastava muito, não, que não era bobo, ele não gastava muito, mas, se a gente pedia duas sopas, ele pagava a minha sopa. Ele dizia ‘Me dá duas sopas ai, dois minestrones’. E pagava o meu. Ele fumava Petit Londrino e era cada tragada um tombo, sabe, um cigarro forte, cada tragada um tombo. Eu queria fumar, ele me dava cigarro. Meu amigo ele.” Adoniran Barbosa, no Programa Ensaio gravado no dia 28/11/1972, o mais representativo compositor popular paulista, posto ao qual chegou depois de fazer sucesso como radiator, humorista em várias emissoras de radio, ator de cinema e até parceiro (por correspondência) de Vinícius de Moraes, com quem fez o antológico Bom Dia Tristeza. Criou tipos, compôs poesias, cantou crônicas, garantiu lugar na história da música brasileira, até sua morte em 23/11/1982, com 72 anos. Fazia música falando errado, mas, como dizia, “pra falar errado tem que saber falar errado”. Criou diversos sambas errados, letras nas quais relatava situações às vezes trágicas mas com uma grande pitada de humor ou ironia.

“Em Valinhos eu não trabalhei. Nasci lá, depois vim pra Jundiaí. De Jundiaí fui para o Grupo Escolar Coronel Siqueira Morais. O meu número era 245, elefante. Nunca deu esse número no bicho, até hoje eu jogo, não dá nunca. Dali, no Grupo, fui trabalhar no hotel, entregar marmita. Entregava marmita, viu, querido amigo, e no caminho eu tinha fome, sabe, e abria a marmita e contava os bolinhos. Se a família tinha quatro pessoas e ia oito pasteizinhos ou ia dez, eu comia dois no caminho. Era malandrinho já. Não era malandragem, era espertinho. Tinha fome. Não era malandro, era fome. Sabe o que é malandragem? Malandragem é fome.” Com 10/12 anos de idade começou a trabalhar em metalúrgica, em fiação, pintor de paredes em Santo André, também encanador de água e esgoto. “Depois fui mascate, vendia retalhos na rua, retalhos de tecidos, vendia meia. Tanta coisa que eu fui e só deu pra fazer samba. Fazia samba no caminho, andando. Eu já queria fazer samba. Eu nasci querendo fazer samba, não tem começo, já nasci querendo fazê samba. Eu não parava em emprego. Balconista, se uma freguesa queria comprar um negócio eu dizia ‘Pois não’ e começava a batucar no balcão ‘Qual senhora quer, qual é que é?’. Vivia batucando, mandavam logo embora.”

“Na rádio entrei porque eu quis entrar. Eu quis entrar no rádio e ninguém quis. E até hoje ninguém quer, até hoje batem na minha cara a porta. Para entrar no rádio foi duro. Foi duro, entrei como calouro na Rádio Cruzeiro do Sul, no largo da Misericórdia. Ali eu cantava um samba do Noel Rosa, bonito, que se chamava Filosofia. O Jorge Amaral era o locutor. Aí eu fui aprovado como sambista pelo Paraguassu e tudo:

O mundo me condena

E ninguém tem pena

Falando sempre mal do meu nome.

Deixando de saber

Se eu vou morrer de sede

Ou se eu vou morrer de fome.


Mas a filosofia

Hoje me auxilia

A viver indiferente assim.

Nesta prontidão sem fim,

Vou fingindo que sou rico,

Pra ninguém zombar de mim.

Não me incomodo

Que você me diga

Que a sociedade é minha inimiga.

Pois cantando neste mundo

Vivo escravo do meu samba,

Muito embora vagabundo.

Quanto a você

Da aristocracia,

Que tem dinheiro,

Mas não compra alegria,

Há de viver eternamente

Sendo escrava dessa gente

Que cultiva a hipocrisia.

Noel Rosa, meu amigo Noel Rosa, o Queixadinho.”


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