segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Navegação interrompida

(A mensagem acordou um poema triste)

Preso em exata posição
Anterior ao asfalto
O animal separa o que existiu
Do momento preciso a atravessar
A pista, o ato de instinto,
Sua decisão.

É navegar terra não propícia
Vestida de piche e pedregulho.
Falsear o campo seguro
Das ervas.
Mas tem que se transpor
Não sei por qual gosto
Um rio assim de perigo
O solo quente do dia
Que se foi.

O focinho apontando o outro lado.

E o vento na tarde-noite
Cortando a entrada do mato!

Paira um certo quê de embriaguez
Na estrela posta primeira
No plano azul do céu.

Antes de todas.
Vem com a tarde, vem com a tarde.

Um pássaro acusa
No pio sonoro
A travessia
Vazia de planejamento
Movida por ação pontual
Do bicho.

Seus passos não se medem.

Acontece um coletivo
Despontando sem entrave
Velocidade de seta.
A gente que ele carrega
Carrega consigo as mãos
Do cansaço cotidiano
E na terra produtiva
De esforço, prisão e fome.

Ônibus do roçado
É rural da solidão
Entregue ao silêncio
De quem não pensa a vida.
Porque são braços,
Suor e faina
Seus pensamentos.

Vem com a tarde, vem com a tarde.
Quase noite.

Então, no encontro perpendicular
Do coletivo
Com o animal,
O choque pairou no cosmos
Penderam, nas nuvens, o grito, ganido ou guincho,
Pedras deram flores
O curso d’água correu inverso.

O indivíduo agora é horizonte, pasta e sangue.

A noite pintou de escuro a engrenagem assassina.
Só não escondeu seu ronco
Que, aos poucos,
Perdeu-se no tempo de seu canto.

No interior, sentados,
Mulheres e homens
Mergulham a cabeça
No sono,
Mãos dadas ou não,
Princípio da morte de todos os dias
Na terra que um dia
Enfim
Irá colhê-los.

O bicho já não mais navega o chão.
É ilha cercada de vermelho por todos os lados.

(hoje não vi as borboletas
azuis
que estendem o fio da vida
por entre os taquarais
da manhã)

Um comentário:

Unknown disse...

"O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente."
Carlos Drummond de Andrade